terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pragmática


     A Semântica e a Pragmática preocupam-se com os significados que a palavra / frase pode ter, porém a Pragmática vai além da Semântica e considera a situação em que elas estão inseridas, ou seja, preocupa-se com o contexto.

     Somente com uma palavra, fica difícil de entender o que está sendo dito. Consideremos como exemplo a palavra “morreu”.

     Analisemos as possibilidades de acordo com as situações propostas a seguir:

  • Situação 1:
     Suponha-se que o contexto seja o seguinte: duas vizinhas se encontram quando uma delas está indo ao trabalho e esta pergunta por um senhor que estava internado e era conhecido de ambas.

“E o senhor Lúcio, ele está melhor?”
“Infelizmente ele morreu ontem!”

     Nesse sentido, fica claro que o senhor pela qual uma das mulheres perguntou faleceu.
     Num outro contexto a palavra “morreu” possui outro sentido. Vejamos:

  • Situação 2:
     Suponha-se a seguinte situação: um casal de namorados está discutindo por motivos fúteis e num determinado momento da discussão a garota olha para seu namorado e diz:

“Tá bem! Morreu o assunto!”

     Neste último exemplo o sentido da palavra “morreu” é como se fosse um sinônimo para “acabou-se”, “encerrou-se” o assunto.
    
     A palavra “morreu” em seu sentido detonado, o sentido denominado “real” da palavra, quer dizer o seguinte, segundo o Dicionário Michaelis:

Cessar de viver, extinguirem-se as funções vitais de; falecer;

     Diz-se que o sentido denotado quer dizer que é o sentido do dicionário, porém, alguns dicionários apresentam também os sinais conotados para algumas palavras.

    Já para o sentido conotado, onde o signo ganha outros significados, o que (normalmente) vai além do dicionário; nele, quer dizer que: acabou-se, encerrou-se, deixou de existir etc. o assunto, (pelo menos no contexto em que foi citado anteriormente.)

     Em suma, a pragmática preocupa-se com o sentido do signo, mas vai além do sentido, preocupa-se com a situação e com o contexto em que o signo está inserido, pois se for dito apenas a palavra “Morreu!”, livre de contextos, várias interpretações seriam possíveis.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Pluralidade Cultural - "A Fala e o Preconceito Linguístico"


"Pluralidade cultural", como a própria palavra "plural" diz, "mais do que um/uma", e juntamente à cultura podemos definir como: "mais do que uma cultura".  Trata-se, portanto, das diferenças encontradas por diferentes países, grupos e/ou sociedades. Podemos citar como exemplo de pluralidade cultural a monogamia ("mono": um/uma; casamento entre duas pessoas; quando o indivíduo tem somente um parceiro)  e a poligamia ("poli": consiste em vários; casamento entre várias pessoas; casamento quando o indivíduo tem vários parceiros). No Brasil, por exemplo, a cultura determina que somente a monogamia é permitida, já na África do Sul isto é bem comum. Então, com este exemplo citado, podemos ver a influência da cultura em seus países, grupos e/ou sociedades. 


Com base no tema transversal "pluralidade cultural", abordaremos "A Fala e o Preconceito Linguístico" para o trabalho da disciplina de Comunicação e Expressão.



"O que esse tema tem a ver com a pluralidade cultural?" 

"Língua: primeia manifestação cultural de qualquer sociedade. Expressão maior do ser humano, em diferentes maneiras: verbal e não-verbal; escrita e falada; culta e variante; musical e visual. Enfim, Língua Portuguesa, Língua Brasileira, língua estrangeira: sem ela, a sociedade não sobreviveria." 

Esta pequena definição do que é Língua explica o que ela de fato é e que ela está ligada diretamente à cultura. 

Resolvemos abordar este tema pois é um assunto presente em nosso cotidiano embora não seja muito conhecido. Frequentemente ouvimos frases do tipo: "Você tem que aprender a falar.", "Eu não sei falar corretamente", "Eu não sei português", "Fulano fala errado.", dentre uma infinidade de frases parecidas, e, as pessoas que "sofrem desse mal" não são preconceituosas por querer, mas sim, porque a sociedade impôs isto, porém, isso não vem ao caso no momento, já que abordaremos o assunto com mais profundidade logo à frente. 

Nossos objetivos são:
  • Definir e esclarecer o que é "Fala" e "Preconceito Linguístico", com base em estudiosos;
  • esclarecer como o a fala e preconceito linguístico variam de acordo com a situação, com o sexo do falante, com o Estado etc.
  • pesquisar diversas situações em que o preconceito ocorre e que é mais comum do que se pode imaginar; 
  • apresentar formas de reflexão acerca do conteúdo;
  • mostrar como o preconceito linguístico aparece em nossa sociedade;
  • propor reflexão acerca daquilo que a mídia nos fornece, dentre outros. 
A metodologia adotada é a pesquisa em livros, vídeos, imagens, outros documentos acerca do assunto tratado e em várias outras fontes midiáticas possíveis. Resumidamente, a pesquisa será realizada em textos de diversos tipos: adotaremos a multimodalidade (textos verbais, sendo orais ou escritos, juntamente aos textos visuais) e a intertextualidade (uma espécie de "mistura" de textos, um texto ligado a outro) através de autores importantes  para a Linguística e/ou para a Gramática Normativa. 

"A Fala e o Preconceito Linguístico"

"A linguagem - a fala humana - é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores." (Hjelmslev, 1975)
Não há citação melhor para introduzirmos a pesquisa. 
Louis Hjelmslev resumiu todo um problema, toda uma realidade acerca da língua, da linguagem, da fala e de seus respectivos valores.

Começaremos então pela fala:



O que é a fala?

É a utilização oral da língua pelo indivíduo. É um ato individual, pois cada indivíduo, para a manifestação da fala, pode escolher os elementos da língua que lhe convém, conforme seu gosto e sua necessidade, de acordo com a situação, o contexto, sua personalidade, o ambiente sociocultural em que vive etc. Desse modo, dentro da unidade da língua, há uma grande diversificação nos mais variados níveis da fala. Cada indivíduo, além de  conhecer o que fala, conhece também o que os outros falam; é por isso que somos capazes de dialogar com pessoas dos mais variados graus de cultura, embora nem sempre a linguagem delas seja exatamente como a nossa.

Porque as pessoas falam diferente?

Isto está ligado diretamente ao social, ao cultural, à fatores extralinguísticos, à realidade de cada falante: um falante do Brasil fala diferente do falante da China, um falante do Sul fala diferente do falante do Norte do Brasil etc. 

Com essas duas perguntas (e respostas) podemos compreender o que é a fala: uma manifestação variável (de pessoa para pessoa, de situação para situação, de idade para idade etc.) que está ligada diretamente à cultura. A língua está diretamente ligada à cultura, e a fala, por ser a execução da língua, também está. 


E o preconceito linguístico? O que é?

Como acontece? Por que acontece? ...


Definiremos, primeiramente, o que quer dizer a palavra "preconceito": 


1 Conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos adequados. 2 Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente de experiência ou razão. 3 Superstição que obriga a certos atos ou impede que eles se pratiquem. 4 Sociol Atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença, opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos. P. de classe: atitudes discriminatórias incondicionadas contra pessoas de outra classe social. P. racial: manifestação hostil ou desprezo contra indivíduos ou povos de outras raças. P. religioso: intolerância manifesta contra indivíduos ou grupos que seguem outras religiões.
  • (Extraído de Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa)

A seguir, uma definição simples e objetiva de Sírio Possenti (que é professor do Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas) sobre o preconceito linguístico: 
No fundo, o preconceito linguístico é um preconceito social. É uma discriminação sem fundamento que atinge falantes inferiorizados por alguma razão e por algum fato histórico. Nós o compreenderíamos melhor se nos déssemos conta de que ‘falar bem’ é uma regra da mesma natureza das regras de etiqueta, das regras de comportamento social. Os que dizemos que falam errado são apenas cidadãos que seguem outras regras e que não têm poder para ditar quais são as elegantes.

Isso não significa dizer que a norma culta não é relevante ou que não precisa ser ensinada. Significa apenas que as normas não cultas não são o que sempre se disse delas. E elas mereceriam não ser objeto de preconceito.

A leitura de um ou dois capítulos de qualquer manual de linguística poderia fazer com que todos se convencessem de que estivemos equivocados durante séculos em relação a conceitos como ‘falar errado’. Para combater esse preconceito, basta um pouco de informação.




Marcos Bagno aborda em seu livro "Nada na Língua é por Acaso" (São Paulo, Parábola, 2007.) a parte da Sociolinguística (A Linguística voltada ao Social) as variações os menino veio e os meninos vieram e suas consequências perante à Sociedade:

"Pela ótica do cientista da linguagem, a construção os menino veio é tão interessante para o estudo e tão merecedora de atenção quanto os meninos vieram - já que, para o cientista, não existe construção linguística mais 'certa' nem mais 'bonita' do que outra. No entanto, fora do círculo restrito da pesquisa científica, a diferença entre os menino veio e os meninos vieram provoca sérias e profundas divisões entre as pessoas, põe em ação uma escala de avaliações e julgamentos que opera com preconceitos, discriminações, humilhações e muito frequentemente com a exclusão social."


Bagno também esclarece neste mesmo livro citado anteriormente a questão imposta por "erro". Ele diz que, assim como na sociedade, os conceitos de "certo" e "errado" existem. Aquilo que pode ser considerado "certo" para determinada pessoa, pode ser "errado" para outra. Por isso que ou linguistas não admitem as palavras "certo" e "errado". São adotados os termos "adequado" e "inadequado", observando o contexto de uso da Língua. Já para o normativo / preconceituoso, isso não ocorre. Este diz que devemos falar "certo". 

Alguns gramáticos normativos "puros" (aqueles que são somente gramáticos e não gramáticos e linguistas) dizem que devemos seguir tal "regra". Sim, as regras gramaticais são importantes para a Língua, qualquer que seja, porém, não se trata "daquela" gramática aprendida na escola, mas sim, das regras de funcionamento da Língua, para que haja compreensão de todos os falantes. Quando um linguista diz "gramática", ele vai além do compêndio. Um exemplo de gramático normativo (lembrando que a Gramática Normativa dita as regras que o falante deve seguir) é Arnaldo Niskier. Membro da Academia Brasileira de Letras, exclui aqueles "que não falam corretamente".
Vejamos alguns exemplos da "normatividade" de Niskier em seu livro "Na ponta da Língua (São Paulo, Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE)":


Começando com as informações do livro: 


"Com a finalidade de ajudar a lidar de forma adequada com o nosso idioma, reúne, com humor e graça, cerca de 700 questões da língua portuguesa, colaborando efetivamente para que o idioma seja enriquecido e consequentemente valorizado". 

Não seria "lidar de forma adequada com o idioma" para a Linguística, mas sim, lidar de forma adequada com a ortografia. Humor e graça? Desde quando descriminar aqueles que "erram" é cômico? "[...] Para que o idioma seja enriquecido e consequentemente valorizado"? A língua portuguesa já é rica com suas variedades. 

Na página 84 encontramos o seguinte: 

"Namoro rompido"
André, tentando reatar o namoro, escreveu para a sua amada: Mariana, ti gosto muito! Escrevendo desse jeito, não dá para a moça acreditar! O correto é: Mariana, gosto muito de ti. Para escrever bonito não precisa inventar. Quem gosta, gosta de alguém ou de alguma coisa.
Reflexão acerca do exemplo anterior: Existe uma forma "correta"?  Há alguma maneira de se escrever "bonita" ou "superior" às demais? Não seria este um exemplo de Normatividade?! 


Vejamos outro exemplo do mesmo livro, desta vez na página 252:


"Tombo desnecessário"
A secretária subiu na mezinha e caiu.

Coitada! Levou um tombo e deu um tombo na língua portuguesa [...]

Reflexão acerca do exemplo anterior: Niskier, mais uma vez, mostrou-nos sua normatividade e, com clareza, seu preconceito linguístico. A frase do exemplo acima se fosse somente pronunciada, não haveria diferença nenhuma. Assim como na escrita, porém, está inadequada perante o ponto de vista ortográfico. Só isso! Não há erro, não existe erro algum, há somente uma inadequação perante à ortografia!





Um exemplo perfeito para tentarmos compreender o que é o preconceito linguístico e de onde ele vem é o seguinte:



Trata-se de uma história em quadrinhos de Maurício de Souza, ícone extremamente importante para a cultura brasileira. Suas histórias percorrem o Brasil todo, há décadas e também, são famosas internacionalmente. Muitas crianças são alfabetizadas com seus gibis de almanaques.
A graciosa personagem da história acima, Chico Bento, é do interior, simples, humilde e utiliza de uma variante particular da sua região, que por alguns é denominada como "caipira". Lembrando que, embora o Chico Bento seja uma personagem cativante, Chico representa um "caipira". Por que não o Cascão, por exemplo, falar utilizando essa variante da língua? Só porque o Chico Bento é da roça ele tem de falar daquela forma? 
Na história, a professora expõe sua posição normativa/preconceituosa, pois não explica que seria adequado ele falar de uma outra forma, a padrão, em situações formais. Além disto, o título: "Bom português"... Há português "ruim"? Para haver o "Bom português" tem de haver o "ruim", em contra partida.
  
A questão é: o que preconceito vem da professora ou do próprio autor?

Pode-se supor que o Maurício de Souza, criador das personagens apresentadas e da história, quis criticar o preconceito usando a professora para alcançar este objetivo. Ou então, que o próprio Maurício é o preconceituoso, pois este tem uma "tendência" à isso, já que é membro da
 Academia Paulista de Letras, e ocupa a cadeira nº24.  Lembrando que os membros das Academias, têm admiração à normatividade e alguns, rejeitam as outras variantes, as outras normas da nossa tão amada língua. 


O texto que segue é de Thelma Panerai Alves (Doutora em Inovação Educativa pela Universidad de Deusto, Espanha, com Especialização em Lingüística Aplicada) em relação à Marcos Bagno: 


"[...] Ele fala no preconceito linguístico de uma forma instigante, que abre nossos olhos para a forma como ocorre discriminação e exclusão das pessoas que não falam/escrevem corretamente - dentro da perspectiva da língua dita culta. Palavras suas: “O preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer esta confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo...também a gramática não é a língua.” (Preconceito Linguístico, São Paulo: Loyola, p.9, 2001)

Ele compara a língua a um enorme iceberg; e a gramática, à parcela visível deste iceberg. Neste sentido, ele afirma que, na gramática, a visão da língua é parcial e que ela não pode ser aplicada autoritariamente à língua, que é muito mais ampla e profunda que as normas criadas.
Bagno explica que o brasileiro tem dificuldades em utilizar as regras do português padrão porque, entre outros motivos, o português padrão está muito distante da realidade linguística dele. E é verdade. É como se fossem duas línguas distintas - ou muitas mais. Para Bagno, a missão da escola é levar os alunos a se apoderar das formas prestigiadas de falar e de escrever, mas sem discriminar a fala original, sem fazer qualquer tipo de atitude preconceituosa com a variedade linguística que o aluno traz para a escola. Trata-se de aumentar a bagagem cultural deles e de aumentar o seu repertório linguístico  e não de substituir uma forma considerada errada por uma forma supostamente certa. Não existe o certo e o errado. O que existe é o contexto e cada contexto exige/admite uma forma de expressão. Este autor insiste em que todas as formas de falar são igualmente válidas e a função da escola é apresentar para o aluno aquilo que ele ainda não sabe.
É interessante ver como ele critica as propostas de pessoas como o Prof. Pasquale, que utilizam os meios de comunicação para defender o uso correto do português. Correto do ponto de vista de quem? Segundo ele, essas pessoas não estão integradas ao estudo efetivo, ao estudo científico da realidade linguística no Brasil e suas variações. Elas tentam transmitir uma língua padronizada extremamente formalizada e muito antiquada, até defendendo regras que os próprios gramáticos profissionais reconhecem que estão obsoletas.
[...] Sem dúvidas, através de suas palavras entendemos a importância de reconhecer as variações da língua portuguesa brasileira (expressão sua). Claro que isso não minimiza a importância da língua padrão, mas faz com que os professores e estudiosos procurem entender a sociolinguística e, principalmente, o direito que as pessoas têm de falar do jeito que falam e de usar as variedades locais, regionais e sociais, sem serem discriminadas por isso.
Segundo Bagno, um exemplo de preconceito linguístico é o da Rede Globo em relação aos nordestinos. Em qualquer novela, o personagem nordestino está representado por um tipo grotesco, esquisito, raro, atrasado, ridículo, normalmente pobre, que só provoca riso e deboche dos outros. No plano linguístico, os atores não-nordestinos fazem uma imitação imperdoável, que não tem nada a ver com a realidade da língua falada naquela região. Esta atitude é uma forma de marginalização e de exclusão. A ideia que a Rede Globo passa é que o nordeste é atrasado, pobre e subdesenvolvido e que as pessoas que vivem lá também são atrasadas e, portanto, não devem ser levadas em consideração.
É imprescindível que nos conscientizemos de que a língua é dinâmica e que está em constante processo de mudança e de evolução. Além disso, é preciso entender que existem diferenças de uso e que existem muitas alternativas em relação à regra única proposta pela gramática normativa. Respeitar a forma de falar/escrever das pessoas é igual a respeitá-las como seres humanos. [...]"



Ainda tratando do ponto de vista normativo e suas variações, vejamos, agora, um exemplo "maravilhoso" da normatividade do tão conhecido pelas mídias, Prof. Pasquale Cipro Neto, que faz com que aqueles que "não sabem o português" se sintam "burros". 



Publicado pela Folha de São Paulo, o livro já começa a ser questionado pelo seu nome: "Inculta e Bela", o que será que o autor queria com este título? 


Além disso, sua (preconceituosa) normatividade acerca das variações: vai realizar, realizará, vai estar realizando... Qual o problema nisso? É a língua portuguesa em suas variações, e todas essas dizem a mesma coisa e não um "rodeio de palavras"... E, finalizando esta leitura, "não passa de grande chatice...". O quê? A Língua é uma chatice? Os falantes são chatos?



Outro exemplo, utilizando o símbolo da normatividade, Prof. Pasquale Cipro Neto e a mídia, já que esta imagem circula pela rede social "Facebook":





Qual o papel que a pessoa que publicou uma foto desta no "Facebook" tem ao circular esta imagem? E como ela interfere no pensamento de grande parte dos usuários? E mais: ainda sugere para "colaborar e compartilhar": colaborar e compartilhar preconceito? E a ideia de "errado vs. certo"?
Por isso que há a necessidade de haver uma conscientização popular e conhecimento linguístico também, já que, a língua é inconstante: aquilo que existe hoje pode ser modificado ou nem existir amanhã (como, por exemplo, a palavra "Espera". Muitos, ao invés de dizer, "Espera aí", dizem "Peraí". Isso é muito mais comum do que imaginam, e é a língua em mutação...). É exatamente isso o que ocorre nos exemplos da imagem acima: Tomemos para exemplificação a frase "Vai assistir ao jogo hoje". Muitos falantes com nível acadêmico elevado dizem "Vai assistir o jogo hoje", embora pela gramática normativa o "correto" seria o uso de "ao" e não "o", já que "quem assiste assiste a algo". Porém, é a realidade do falante que conta - e é totalmente compreensível dizer "[...] o jogo"




As Variações e o Preconceito


Como já foi citado numa outra postagem: 


"As línguas são heranças históricas que passam de geração para geração." 

A língua é flexível e variacional. De acordo com aspectos como:



  • o sexo;
  • a idade;
  • a Ideologia da qual faz parte;
  • de qual região do país ou do mundo o indivíduo pertence;
  • de acordo com a situação de uso, dentre outros, 
A forma do indivíduo se portar perante a sociedade e perante a língua é diferente. Então, surgem os preconceitos de acordo com estes (e outros) aspectos. Como, por exemplo:


  • Se determinado ser diz "Como que o baiano fala?", possivelmente um outro irá responder: "Oxente...". Todo baiano usa esta palavra? Existe alguma lei que diz "Baiano tem que falar 'oxente'"? Não, não há. Então, pode ser que um baiano, seja um indivíduo que apenas nasceu na Bahia e se mudou ou então o indivíduo que nasceu e vive no Estado baiano, isso é variável.
  • Gaúcho fala "tchê". Realmente todo gaúcho fala "tchê"? Um baiano não poderia falar "tchê"? Isso também é variável, já que curitibanos usam essa expressão. 
Estes são exemplos simples e que representam fielmente o que ocorre em nosso país e, consequentemente, em nossa língua. 

Vejamos agora um texto que explica a variação e o preconceito linguístico, utilizando, mais uma vez da intertextextualidade, seja apresentando as ideias de Marcos Bagno ou criticando a mídia que "permite" a existência do preconceito linguístico. 

 "[...] Da mesma forma que a humanidade evolui e se modifica com o passar do tempo, a língua acompanha essa evolução e varia de acordo com os diversos contatos entre os seres pertencentes à comunidade universal. Assim, é considerada um objeto histórico, sujeita a transformações, que se modifica no tempo e se diversifica no espaço. Existem quatro modalidades que explicam as variantes lingüísticas:variação histórica (palavras e expressões que caíram em desuso com o passar do tempo); variação geográfica (diferenças de vocabulário, pronúncia de sons e construções sintáticas em regiões falantes do mesmo idioma); variação social (a capacidade lingüística do falante provém do meio em que vive, sua classe social, faixa etária, sexo e grau de escolaridade); variação estilística (cada indivíduo possui uma forma e estilo de falar próprio, adequando-o de acordo com a situação em que se encontra). Entretanto, mesmo que as variantes acima descritas expliquem as variações lingüísticas, o falante que não domina a língua denominada "padrão" por sua comunidade lingüística, sofre preconceitos e é "excluído" da "roda dos privilegiados", aqueles que tiveram acesso à educação de qualidade e, por isso, consideram-se "melhores" que os demais. Esse tipo de preconceito é denominado preconceito lingüístico.De acordo com Marcos Bagno, "preconceito lingüístico é a atitude que consiste em discriminar uma pessoa devido ao seu modo de falar". Como já dito, esse preconceito é exercido por aqueles que tiveram acesso à educação de qualidade, à “norma padrão de prestígio”, ocupam as classes sociais dominantes e, sob o pretexto de defender a língua portuguesa, acreditam que o falar daqueles sem instrução formal e com pouca escolarização é “feio”, e carimbam o diferente sob o rótulo do ”erro”. Infelizmente, “preconceito lingüístico” é somente uma denominação “bonita” para um profundo preconceito “social”: não é a maneira de falar que sofre preconceito, mas a identidade social e individual do falante.Há muitos preconceitos no mundo todo: preconceito racial, preconceito contra os pobres, contra as mulheres..., enfim, uma infinidade de “absurdos” cometidos por parte dos “ignorantes”. Mas, dentro do chamado “preconceito lingüístico”, posso citar alguns considerados “destaque”, devido à constante freqüência de suas ocorrências.“A norma padrão constitui o português correto; tudo o que foge a ela representa erro”. Dentro do ambiente escolar, muitos professores costumam repetir essa frase. Porém, é necessário que eles compreendam que não existe português certo ou errado, mas modalidades de prestígio ou desprestígio que correspondem ao meio e ao falante. O apagamento de uma modalidade em favor de outra é despersonalizador, pois o indivíduo, ao ingressar na escola, possui um repertório cultural já formado pelo seu meio e, se lhe for dito que tudo o que conhecia (no caso, sua linguagem) é “errado”, perderá sua identidade verdadeira e poderá adquirir o preconceito. Por isso, é desejável que o aluno não abandone sua modalidade em seu meio. Mas, a prática da norma culta deve ser ensinada para a promoção social do mesmo.As instituições de ensino deveriam tratar a questão do ensino da norma culta e das variantes lingüísticas de maneira com que os alunos conseguissem compreender a norma e suas variantes. Deveriam promover aos alunos uma reflexão sobre a língua materna, distinguindo o que é adequado ou inadequado em determinadas situações de uso. Dessa forma, a classe sócio-economicamente desprivilegiada teria a oportunidade de ascensão social e de acesso aos instrumentos culturais, obtendo prestígio.Mas, ao contrário do que é realmente adequado ao ensino da língua, as escolas estão mantendo as classes menos favorecidas em um baixo patamar, sem lhes promover o conhecimento da língua materna e a reflexão sobre as variações lingüísticas existentes, privando-as de uma oportunidade de ascensão social.É importante que os professores promovam os instrumentos necessários para que os alunos possam ser capazes de compreender as linguagens formal e informal e adequá-la às diversas situações que lhes acontecerem. Há também a necessidade de fazê-los refletir sobre o que é “certo e errado”, levando em consideração as diversas variações históricas, estilísticas, geográficas e sociais que a linguagem possui.“O bom português é aquele praticado em determinada região”, “O caboclo fala errado”, “Nenhum brasileiro fala o português corretamente”. Indivíduos não conhecedores das variantes lingüísticas “adoram” fazer afirmações como essas. Mas é preciso que coloquem em suas mentes que a língua varia de acordo com a região em que é falada (devido à sua cultura, costumes e classe social) e que essa variação afeta a norma criando, então, uma modalidade de linguagem para cada situação específica de ocorrência verbal. Não existe então “certo e errado” no ato lingüístico, mas sim variantes decorrentes de alguns fatores como região, classe social e etc.“O bom português é o das épocas de ouro da literatura”. Primeiro, há um português culto falado e um escrito. Mas a língua escrita é mais conservadora que a falada; segundo, a norma ancora a língua no contemporâneo; terceiro, a língua é um fenômeno social, e sua existência prende-se aos grupos que a instituíram.Bagno afirma que “A mídia poderia ser um elemento precioso no combate ao preconceito lingüístico. Infelizmente, ela é hoje o pior propagador deste preconceito. Enquanto os estudiosos, os cientistas da linguagem, alguns educadores e até os responsáveis pelas políticas oficiais de ensino já assumiram posturas muito mais democráticas e avançadas em relação ao que se entende por língua e por ensino de língua, a mídia reproduz um discurso extremamente conservador, antiquado e preconceituoso sobre a linguagem”.Programas de rádio e televisão, sites da internet, colunas de jornal e outros meios de multimídia estão cheios de “absurdos” teóricos e “distorções”, pois são feitos por pessoas sem formação científica sobre o assunto. Divulgam “bobagens” sobre a língua e discriminam os estudiosos da linguagem. Isso atrapalha a desmistificação do “certo e errado” e acaba propagando o preconceito.Em suma, para se acabar com o preconceito, seja ele racial, social ou qualquer outro, é necessário que haja uma democratização da sociedade, que dê oportunidades “iguais” a todos, reconhecendo e respeitando suas diferenças. E mais: a palavra “preconceito” significa um “pré” conceito daquilo que ainda não se conhece a fundo. A partir do momento em que se estuda determinado assunto, que se aprende sobre ele, o que se deve adquirir é “respeito”, e não “discriminação”.

Nossas produções...

Charge


Por que dizer que essa imagem cômica é considerada uma charge?

Primeiramente, vamos definir o que é charge:


"A charge é um desenho ou uma pequena história em quadrinhos que possui um caráter humorístico e crítico. Destacam-se pela criatividade e abordagem de temas da atualidade." 

Neste caso, as duas características apresentadas acima estão presentes: o caráter humorístico se dá na intertextualidade. Atualmente, nas redes sociais, circulam tirinhas humorísticas com o jargão "As mina pira!", e daí, várias outras coisas "pira!" e com os mesmos personagens que foram utilizados por nós, os denominados "Memes". 


A outra característica, a crítica, também se faz presente: Nessas tirinhas que dizem "As mina pira!", o autor (ou os autores) diz (ou dizem) "As mina pira!" como se estivesse "falando errado" o português, já, no material exibido acima, a intenção foi justamente a de criticar tal postura, pois dizendo "As mina pira!", é possível entender o que se é dito, então, a intenção é criticar esse "erro" que, obviamente, não existe.


Desta forma, ao dizer "Os linguista  pira!", dizemos que os Linguistas piram quando ouvem que "alguém fala errado" e que, não concordar o verbo e o plural, não é erro, mas sim, uma variedade popular presente.



História em Quadrinhos


Na história em Quadrinhos acima, há humor e uma pequena crítica. O Cebolinha se manifesta dizendo que não fala "elado", mesmo pronunciando os sons de "R" e que isso é preconceito linguístico. A Mônica, por sua vez, se assusta sem entender do que se trata, ou seja, ela é uma preconceituosa, linguisticamente falando, sem nem saber que é. Assim, é possível compreender que, muitas pessoas que são preconceituosas linguisticamente, nem sabem o que é o preconceito linguístico e são reféns da mídia, que tende a exaltar a Gramática-Normativa e não as outras possibilidades de execução da língua. Além disso, há uma crítica à essa Gramática-Normativa, utilizando um exemplo de Gramático-Normativo que utiliza da mídia, o senhor Pasquale Cipro Neto.



Entrevista



Entrevistamos Hélcius Pereira Batista, bacharel em Letras (Linguística e Português) pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Filologia e Língua Portuguesa, também pela USP. Atualmente, é professor da Universidade Paulista (UNIP), dos cursos de Letras e Engenharia.




Sopa de Letras: O senhor, como gramático e linguista, o que pensa da Gramática Normativa? E do Preconceito Linguístico?

Prof. Dr. Hélcius: Não sou gramático, mas linguista, pesquisador da Língua e professor da área de Letras, inclusive de disciplinas da área de Gramática. E nessas duas atuações tenho hoje muito claro que não há – e não deve haver para todo professor que trabalha com língua materna – qualquer oposição entre norma prescrita pelos Manuais de Gramática e todas as demais variedades ou dialetos da Língua. Cada uma encontra o seu espaço. Mas claro que para compreender de maneira correta o que eu disse, é preciso perceber que a prescrição de tais manuais não se aplica a qualquer contexto de uso, a todos os gêneros textuais, a todas as modalidades da língua. Então, tal norma deve ser ensinada sim aos alunos – e todos os brasileiros têm direito à conhecê-la – para fazer uso dela nos momentos de formalidade, por exemplo. Além disso, essa norma padroniza certos tipos de texto que devem ser acessados por todos, independente do dialeto que portamos: imagine se cada lei fosse escrita de uma forma! Imagine se cada artigo científico fosse escrito com base no dialeto de seu autor... Mas ensinar tal norma não implica em sobrepor os dialetos que os estudantes já conheçam e façam uso. Haverá momentos em que será mais adequado não optar pela norma prescrita pelos manuais e sim fazer uso de tal dialeto, ou melhor dizendo, da norma desse dialeto. Assim, é possível ensinar sem preconceito linguístico, que certamente explica coisas como a evasão escolar, como a falta de interesse pela disciplina de Língua Portuguesa.


Sopa de Letras: O preconceito linguístico está relacionado a determinadas variedades linguísticas. Quais as variedades mais sujeitas ao preconceito? Por quê?

Prof. Dr. Hélcius:  O preconceito linguístico está ligado a algo maior: o preconceito social. Língua é poder. Portanto, todas as variedades da língua usadas pelos menos favorecidos da sociedade sofreram preconceito linguístico. Gosto muito da ideia de Pierre Bourdieu, um sociólogo que fez reflexões importantes sobre a Língua: Para ele, aquele que tem “capital linguístico” (uma faceta do “capital social”) imporá os seus “produtos linguísticos” (suas regras de construção de sentença, os um texto, seus discursos, etc) como “verdadeiros”, “legítimos” e “corretos”. É engraçado que pessoas de classe média e alta tratem com desprezo formas como “Os menino chegou” e não percebam que, do ponto de vista da gramática normativa, isso seria tão “errado” como os usos tão comum em suas bocas e lares como “Me passa o sal”. Por que o primeiro “erro” “dói nos ouvidos” e o segundo não? A resposta não está na expressão linguística, mas no fato de que o primeiro uso é marcadamente associado às classes desprovidas de “poder simbólico” e o segundo frequenta também o cotidiano das famílias endinheiradas de nossa cidade.


Sopa de Letras:  Por que há uma gramática tradicional e outra da fala?

Prof. Dr. Hélcius: Na verdade, quando falamos em Gramática Tradicional há aí dois referentes possíveis: 1) por um lado podemos estar querendo nos referir a uma forma de ver a Língua que foi fixada pela tradição dos gramáticos. Há, no entanto, outras formas de análise da língua, cada qual propondo categorias próprias para melhor explicar o seu ponto de vista. Assim, o Gerativismo de Chomsky, por exemplo, não usa categorias como “aposto”, “vocativo”, próprias da Gramática Tradicional e 2) Podemos estar usando esse termos como um sinônimo de gramática normativa. Pensando no primeiro sentido que mencionei, este método não é adequado para descrever todos os fenômenos da fala. A turma da “Análise da Conversação” propôs melhores instrumentos para isso. Se pensarmos no segundo sentido, a questão proposta pode nos levar a concluir que Gramática Tradicional é somente para escrita e que a Fala, a oralidade, deve permanecer livre dessa prescrição. Não é bem assim: a norma prescrita é um parâmetro que nos ajuda nos momentos formais, sejam escritos ou falados. Também há gêneros escritos que são mais livres em relação à norma e o que se escreve nas redes sociais ou em bilhetes que deixamos para nossa mãe, são bons exemplos dessa liberdade. Haverá em sempre distância entre a norma presente nos usos informais da língua e o que está previsto nos manuais normativos – e isso não vale somente para o Português, aliás.


Sopa de Letras: O senhor concorda com a denominação "norma culta"?

Prof. Dr. Hélcius: O problema dessa denominação – que acabamos muitas vezes por incorporá-la em sala – é supor que as demais normas, por oposição, seriam “incultas”. Há aí de certa forma uma concepção de “cultura” bastante elitista. Quem já leu ou ouviu Patativa de Assaré – poeta da chamada “literatura de cordel” – sabe que as expressões populares são riquíssimas. Também há no termo uma impropriedade ainda que acreditamos que cultura é só a chamada “alta cultura”: jornalistas, escritores, pós-graduados divergem na sua fala cotidiana daquilo que se considera “norma culta”. Daí que entramos em uma incoerência: como uma norma seria “culta” se os agentes de tal cultura da comunidade linguística não à adotam integralmente em todos os momentos de suas vidas?


Sopa de Letras: A escola é obrigada a ensinar a norma padrão. E o professor, como deve apresentar as demais normas a seus alunos sem confundi-los?

Prof. Dr. Hélcius: A obrigação da escola não é somente legal, mas um dever social da escola. Ensinar norma padrão é dar ao aluno “poder” para poder se expressar e interpretar com eficiência nos gêneros que exigem, com maior ou menor grau, fidelidade a tais regras. O professor não pode fugir dessa obrigação. Como é possível fazer isso sem preconceito linguístico e sem qualquer problema? Primeiro, nunca se esqueça que o aluno já sabe regras linguísticas, já é “doutor” em sua língua materna desde os 3 ou 4 anos de vida. Explore esse conhecimento, contraponha as “normas”. Não suponha que os dialetos dos lugares mais distantes do país ou daqueles mais pobres sejam desprovidos de regras; todos dialetos têm suas próprias leis. Afine o seu ouvido e o de seus alunos para este fato. Segundo, não caia na tentação de passar anos e anos a ensinar as “nomenclaturas” da Gramática Tradicional, ensinando seus alunos a classificar termos e formas, mas nunca explicitando as regras da “norma padrão”. De que adiante saber que uma palavra é o “adjetivo” e que a função sintática de tal termo é ser “sujeito simples”, sem fazer uso dessa classificação. Lembre-se, a frase “Os menino bonito dormiu cedo” tem “sujeito” e tem “adjetivo”. Limitar-se à nomenclatura é não cumprir a mencionada obrigação da escola de ensinar a norma prevista nos manuais. Terceiro, não caia na falsa ideia de que tal norma é válida sempre; ensine seus alunos à serem habilidosos afastando-se desta ou dela se aproximando conforme o contexto, visando serem eficientes em sua comunicação. Quarto, não separe a Gramática e a Língua de seu uso: não existe sintaxe sem a sentença, nem a sentença sem a noção de texto, nem o texto sem a noção de discurso; nem o discurso sem as relações de poder entre os interlocutores. Por fim, não tenha medo de mostrar que o “método” da Gramática Tradicional apresenta incoerências e que a Língua não é um sistema exato; não assuma para si as imperfeições dos manuais, estimule o senso crítico em relação a tudo que ensinar. Mais do que ensinar a questionar o conteúdo da disciplina, seus alunos aprenderão a questionar as coisas da vida.
Vídeo




Embora o vídeo não tenha ótimas condições de produção (seja pela imagem, pelo áudio ou por outras questões), a intenção é sintetizar todo o conteúdo tratado aqui. E cremos que nosso objetivo foi alcançado com ele. 


Artigo de Opinião

Língua, Fala e Preconceito

"A fala é a execução da Língua". Com essa citação podemos ter a dimensão do quanto a Língua pode ser executada de formas diferentes, visto que cada falante a executa de uma forma. O problema é, com várias formas de se executar uma só Língua (os dialetos e as variantes linguísticas) surge o Preconceito Linguístico.
"Mas, o que é Preconceito Linguístico?" Assim como há os preconceitos: racial, à homossexualidade, à religiões... há o Preconceito Linguístico e ele é o tema central do nosso assunto.
O Preconceito Linguístico consiste na aversão ou reprovação à determinado dialeto ou variante da Língua. A Língua está totalmente vinculada à cultura e, de acordo com a cultura da qual o falante está inserido, sua forma de executá-la se modifica. E é desta forma que o preconceito surge. 
Uma das formas do Preconceito Linguístico surgir é quando se diz que um baiano fala "oxente" e um gaúcho "tchê". Suponha-se o seguinte:  um baiano, que nasceu na Bahia e ainda quando criança se mudou para o Rio Grande do Sul e cresceu de acordo com a cultura deste último Estado citado, desta forma, é provável que o indivíduo utilize as variantes linguísticas do Sul do Brasil e até pronuncie "tchê" e não "oxente". Porém, também é possível que o indivíduo não mude sua cultura linguística e fale "oxente". Ou ainda, que o indivíduo não fale nem "tchê" e nem "oxente"... São várias as possibilidades, pois isso é relativo, tanto de Estado para Estado, quanto de indivíduo para indivíduo. Não há nenhuma "lei" que diga que "baiano tem que falar 'oxente'" ou que "gaúcho tem que dizer 'tchê'", isso varia de acordo com o falante. 
Outra forma do Preconceito Linguístico se manifestar - e a mais comum, é quando ouvimos: "Ele matou o português!", "Fulano nem sabe falar português e quer fazer curso de inglês...",  "Ela fala errado."... O preconceito quando manifestado desta forma ocorre porque o preconceituoso tem essa ideia entronizada em si. A mídia causa esse preconceito, que não é só linguístico, mas sim social. Um exemplo é o famoso Professor Doutor Pasquale Cipro Neto. Não há como negar que o Professor Pasquale possui amplo conhecimento da Gramática Normativa ("Normativa" porque dita as regras, as normas que a Língua deve seguir), porém, Pasquale juntamente à mídia, apresenta a Gramática Normativa com seus "erros", sendo que a Língua não se resume a Gramática, nem à ortografia e, consequentemente, as pessoas (ou grande parte delas) se sentem ignorantes, pensam que não conhecem a Língua Portuguesa.
Já para os linguistas, não há "erros" nem "acertos" e sim aquilo que é "adequado" ou "inadequado" de acordo com a situação e o contexto de execução da Língua. 
O que poderia ser feito para mudar essa situação e acabar (ou pelo menos diminuir) o Preconceito Linguístico é a conscientização. Assim como ocorre com os outros "tipos" de preconceito, é necessário que haja a conscientização da sociedade. Isso só seria possível pela mídia. No dia em que a mídia decidir não mais apoiar a normatividades (e o preconceito) do Professor Pasquale, sem querer dizer que isso é "certo" e aquilo é "errado" mas sim,  apresentando que, por exemplo, "nóis vai" numa situação informal é "adequado" e numa situação em que a formalidade é exigida seria "inadequado" e, consequentemente, o indivíduo teria que optar pela variante "nós vamos"; não dizer que quem diz "nóis vai" é burro e/ou ignorante... No dia em que a mídia decidir ficar do lado da Língua e não somente de parte dela, a Gramática Normativa e a Ortografia, a sociedade evoluirá, não só em relação ao Preconceito Linguístico mas também em relação ao preconceito social, pois muitos praticam o Preconceito Linguístico sem nem saber o que é. 
Além disso, a Educação na escola, seja na pública ou na privada, tem de se adaptar às variantes e aos dialetos e, apresentar a Norma Padrão, não a exaltando e sim mostrando que ela existe para que haja um padrão na Língua, como seu próprio nome já nos sugere. Por exemplo: na Constituição, para que tanto os cidadãos do Norte como os do Sul possam compreendê-la, ela foi escrita na Norma Padrão da Língua. Se a Constituição fosse escrita num dialeto do Pará seria difícil o entendimento para um curitibano etc. Infelizmente há professores "normativos" que julgam seus alunos, que dizem para "falar certo"...
Em suma, o que é necessário é a  conscientização de todos os falantes para que o Preconceito Linguístico deixe de existe. 

Escrito por: Thaís Rodrigues Silva

terça-feira, 22 de maio de 2012

Entrevista de Marcos Bagno ao Jornal "Extra Classe"

 MARCOS BAGNO 


          Professor da Universidade de Brasília, escritor e lingüista, Marcos Bagno é um insurgente contra toda forma de discriminação social por meio da linguagem. “O preconceito lingüístico precisa ser reconhecido, denunciado e combatido, porque é uma das formas mais sutis e perversas de exclusão social”, diz nesta entrevista que antecedeu a Aula Inaugural do Sinpro/RS, em Porto Alegre, na qual Bagno é palestrante.
          Mestre em Lingüística e Doutor em Língua Portuguesa pela USP, ele já publicou mais de 30 livros – de literatura e de divulgação científica, entre os quais A língua de Eulália (Contexto, 1997), Dramática da língua portuguesa (Loyola, 2000) e Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística (Parábola, 2007).

         
                           ENTREVISTA DE MARCOS BAGNO AO JORNAL EXTRA CLASSE
                                                                
          Extra Classe – O senhor tem afirmado que a norma-padrão da língua portuguesa se transforma com freqüência em instrumento de exclusão social. O que é preconceito lingüístico?

          Marcos Bagno – É preciso distinguir a “norma culta”, que é a língua falada e escrita pelos brasileiros com acesso à cultura letrada, da “norma-padrão”, fonte de preconceito social, que não é língua de ninguém, é só um ideal de língua, cada vez mais distante e difícil de ser alcançado – quase um saber esotérico! Não se pode confundir o uso real, autêntico, empiricamente coletável da língua por parte dos falantes privilegiados (a norma culta), do modelo idealizado de língua “boa”, arbitrariamente definido pelos gramáticos normativistas. O preconceito lingüístico existe em todas as sociedades onde se estabeleceu uma tradição escolar, uma cultura literária e instituições reguladoras dos usos da língua como a Academia Brasileira de Letras, por exemplo. Uma vez que toda e qualquer língua é essencialmente heterogênea, o que ocorre é a exclusão da maioria dos falantes do círculo restrito do “falar bem”. No caso do Brasil, nem mesmo as camadas privilegiadas da população acreditam falar bem a língua portuguesa, porque nosso modelo de “língua certa” é extremamente arcaico, inspirado nos usos literários dos escritores de Portugal na primeira metade do século 19.

          EC – Por que Pasquale Cipro Neto, Josué Machado, Eduardo Martins, Arnaldo Niskier, que se autodenominam gramáticos, não aceitam a variação lingüística e desqualificam os lingüistas?

          Bagno – Não classifico nenhum deles como gramático. Esse título cabe a especialistas, a filólogos, a pessoas que dedicam sua vida à pesquisa da tradição gramatical, à revisão das bases teóricas da doutrina como Evanildo Bechara, Celso Cunha, Celso P. Luft, Rocha Lima. As pessoas citadas na pergunta fazem parte daquilo que chamo de “comandos paragramaticais”. Não têm formação científica suficiente, muitas vezes não têm nenhuma, nem são da área das Letras, e se limitam a reproduzir, sem crítica, a doutrina gramatical normativa, como se ela fosse um bloco compacto, como se não houvesse divergências teóricas entre os próprios gramáticos. Essa atitude é muito antiga. Desde que a instituição gramatical surgiu, há 300 anos antes de Cristo, no mundo de cultura grega da Antigüidade, há sempre um grupo de pessoas preocupadas com a “decadência” e a “ruína” do idioma e lutando para preservar a língua.

          EC – O que é mais importante, a língua falada ou a gramática tradicional ensinada na escola?

          Bagno – A língua tem que ser estudada e apreciada sempre em sua totalidade de manifestações: como faculdade cognitiva, como sistema de palavras e regras estruturado para a interação humana, como instituição social, como forma de conhecimento do mundo. E também tem de ser estudada em todas as suas modalidades: falada, escrita, híbrida. A língua falada tem seu lugar no ensino assim como a escrita. Não basta reconhecer que a criança, quando chega na escola, já sabe falar a língua. É preciso mostrar a ela como essa língua falada pode ser usada nas interações sociais, quais são as diferenças entre os gêneros discursivos, entre os eventos de interação, quais são as instâncias públicas e privadas de uso da fala, e quais as normas sociais que presidem esses usos. A gramática tradicional, como patrimônio cultural do Ocidente, merece ser estudada, mas não como uma doutrina cheia de dogmas e verdades eternas, e sim como um conjunto de idéias e conceitos que precisa ser constantemente criticado, revisto, atualizado e até, se for o caso, abandonado no todo ou em parte.

          EC – A proposta é reconhecer que a gramática normativa não é um dogma…

          Bagno – Ao contrário do que apregoam alguns dos “comandos paragramaticais”, nenhum lingüista sério está mandando jogar as gramáticas no lixo, mas querendo que sejam tratadas como aquilo que elas são: obras produzidas por seres humanos – e não frutos de alguma ‘revelação divina’ – e, portanto, sujeitas à crítica e à reformulação. Os lingüistas são os primeiros a reconhecer que os gramáticos da Antigüidade tiveram intuições importantes ao definir sua doutrina, ao especular sobre o funcionamento da língua. Mas eles só se interessavam pela língua grega (e, mais tarde, pela latina), e todo o aparato que criaram (a nomenclatura tradicional) se adequava mais ou menos bem ao grego e ao latim. Para analisar outras línguas é preciso criar outros aparatos descritivos, outra teoria. O problema é que a gramática normativa virou uma instituição sociocultural, que passou a ser reverenciada como se fosse um crime submetê-la a juízo e revisão.

          EC – O que deve vir antes, o estudo científico da língua ou o domínio da escrita e da leitura?

          Bagno – No tocante ao ensino, já está provado e comprovado que o mais importante é promover o letramento dos aprendizes, isto é, a inserção destes cidadãos no mundo da cultura letrada que é o nosso. E isso só se faz por meio da leitura e da escrita, da escrita e da leitura, da reescrita e da releitura. Nada de entupir a cabeça das criancinhas com uma nomenclatura profusa, confusa, muitas vezes incoerente. Vamos deixar isso para mais tarde, lá pelo Ensino Médio, quando a pessoa já souber ler e escrever bem. Se é só no Ensino Médio que as aulas de química, física, biologia aparecem, por que o estudo científico da língua tem de ser feito já nos primeiros anos de escolarização? Vamos pôr essa gente para ler e escrever, pois é disso que o cidadão precisa na sua vida diária. Nenhum profissional bem-sucedido, hoje, em qualquer área de atuação, precisa saber o que é uma “oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo”, mas precisa saber ler e escrever muito bem. E a gente só aprende a ler e a escrever… lendo e escrevendo!

          EC – A gramática da língua padrão está focada em uma das variedades lingüísticas, a escrita, que tem como modelo a literatura de Portugal. Sendo assim, esse ideal de língua desconhece a identidade social e cultural dos brasileiros?

          Bagno – Trata-se de assumir que nós falamos uma língua toda nossa, o português brasileiro ou simplesmente brasileiro, com gramática própria, bastante diferente da do português europeu, e mais diferente ainda da norma padrão tradicional (que não é língua de ninguém!). Quando isso for assumido sem medo nem escrúpulos, poderemos produzir gramáticas que descrevam e autorizem o que já é falado e escrito por aqui há mais de cem anos; poderemos parar de ensinar coisas irrelevantes, modos de conjugação verbal que ninguém fala (nem escreve), regras de concordância obsoletas, colocação pronominal e outras coisas que não têm nada a ver com o uso real, contemporâneo do português brasileiro, inclusive da parte dos mais letrados, dos melhores escritores de cem anos para cá.

          EC – Falta correspondência entre pesquisa e políticas públicas no campo da linguagem?

          Bagno – A mudança depende, sobretudo, de uma política lingüística, coisa que não existe no Brasil. É preciso que o Estado legisle, racionalmente, sobre as questões da língua e das línguas (são mais de 200 no território brasileiro!) e sobre o ensino dessa(s) língua(s). E é para isso que esse mesmo Estado mantém, nas universidades públicas, importantes centros de pesquisa em lingüística teórica e lingüística aplicada: para subsidiar as ações públicas no tocante às questões de linguagem. Porém, o Estado brasileiro ainda não acordou para isso. Acima de tudo porque vivemos numa ilusão de monolingüismo: aqui “todo mundo fala português”, “todo mundo se entende”, então não é preciso que o Estado interfira nesse campo. Tremenda ilusão! Os exemplos de países como o Canadá, a Espanha, a Bélgica, a Suécia, a Noruega, a Índia, e até nosso vizinho Paraguai, entre outros – países onde existe uma política lingüística clara, oficial, explícita –, deveriam servir de fonte de inspiração e reflexão para os legisladores brasileiros para que nossa sociedade fosse realmente democrática, inclusive no campo das relações lingüísticas.

          EC – Qual é o papel da escola na constituição dessa educação lingüística digna a que o senhor se refere?

          Bagno – Não se trata, como defendem alguns desavisados, de reconhecer e valorizar as variedades regionais, sociais, etc. e ficar no discurso (reacionário) do “politicamente correto”. O papel fundamental da escola é levar as pessoas a conhecer e aprender coisas que elas não sabem. Assim, na questão da linguagem, a tarefa da escola é levar os aprendizes a dominar plenamente a leitura e a escrita, coisas que só se aprende na escola, e também conhecer e usar outras formas de falar e de escrever, entre elas (mas não só!) as formas tradicionais, eruditas, clássicas ou “cultas”. Trata-se, então, de ampliar o repertório lingüístico dos aprendizes. Mas isso tem que ser feito com uma pedagogia democratizadora das relações sociais, e não por meio da condenação das formas variantes, das formas inovadoras, e pela imposição autoritária das formas consideradas as únicas “certas”.

          EC – Formas lingüísticas já fixadas pelo uso, inclusive na língua escrita, ainda são condenadas pela gramática normativa. Como mudar isso?

          Bagno – De fato, o apego excessivo à norma-padrão tradicional cria esses conflitos. É inaceitável que formas não registradas pela tradição normativa, presentes até mesmo na nossa melhor literatura há mais de cem anos, continuem sendo condenadas pelos puristas. É ridículo dizer que a forma “eu custo a crer” é errada, quando ela já aparece desde José de Alencar (que morreu em 1877). É preciso divulgar amplamente os resultados das importantes pesquisas que têm sido feitas sobre o português brasileiro nos últimos 50 anos, mostrar o que já se fixou e o que já desapareceu da língua, e autorizar esses usos novos. Como já disse antes, é preciso haver uma política lingüística de Estado que reconheça a nossa língua como ela é hoje. Por exemplo, o Ministério da Educação deveria produzir uma gramática de referência do português brasileiro que descrevesse e autorizasse os usos que já estão aí há tanto tempo, mas que continuam sendo perseguidos como “pecados” pelos “comandos paragramaticais”.

          EC – Qual é a relação entre linguagem e poder?

          Bagno – A linguagem é um importantíssimo elemento de dominação sociocultural e política, talvez o mais importante instrumento de dominação e opressão. Quem está no poder quer continuar nele e, para isso, a maneira de falar dos poderosos, dos privilegiados, se transforma numa arma de defesa do poder contra a eventual insurreição dos oprimidos. O lingüista italiano Maurizzio Gnerre, que trabalhou no Brasil, escreveu que a norma-padrão tradicional é uma “cerca de arame farpado”, que separa uma pequena elite de iluminados do resto da população. Não é por acaso que, em todas as sociedades européias, o modelo de língua “certa” tenha sempre se baseado no modo de falar das regiões mais ricas, politicamente importantes, centros do poder. Não é por acaso também que o inglês-padrão é chamado de “inglês da Rainha”. Assim como o rei francês Luís XV dizia que “o Estado sou eu”, os poderosos também podem dizer “língua é a minha” – o resto é “jargão”, “algaravia”, “dialeto”, “caçanje”, ou simplesmente “não é português”.

                                                                          Fonte: Jornal Extra Classe/ Sinpro-RS